Embora o brasileiro, por sua natureza, seja um povo empreendedor, o país não apresenta cenário favorável ao desenvolvimento dos negócios, costumando figurar, com certa frequência, nas últimas posições nos rankings internacionais de indicadores de competitividade. Contribuem para isso fatores que vão desde a ineficiência de políticas governamentais e insegurança jurídica, até os entraves práticos relacionados à excessiva burocracia e à complexidade do sistema tributário.
É natural, neste cenário de incertezas econômicas e políticas, que até mesmo as empresas mais tradicionais e bem estruturadas enfrentem, em algum momento, um aperto no fluxo de caixa e dificuldades na condução dos negócios.
O sistema jurídico brasileiro, desde o remoto Código Comercial, de 1850, oferece mecanismos para auxiliar no soerguimento de empresas em dificuldades econômico-financeiras. De lá pra cá, os institutos se modernizaram e as ferramentas jurídicas se diversificaram, sendo a principal delas a Recuperação Judicial.
Diferentemente do vetusto sistema da concordata, em que baixíssima era a taxa de sucesso na reversibilidade da crise, a Recuperação Judicial, instituída pela Lei 11.101/2005, dispõe de mecanismos mais eficientes, que buscam não apenas renegociar dívidas, mas traçar um projeto de efetiva reestruturação para tornar a empresa viável economicamente.
Sua premissa maior gravita em torno da preservação da empresa em sua plenitude, equilibrando-a e conformando-a com os demais interesses envolvidos, como a manutenção do emprego dos trabalhadores e a satisfação da pretensão dos credores, nesta ordem de prioridades.
Seu modelo procedimental se espelha em uma negociação coletiva, contando com a participação ativa dos credores, conduzida e controlada, quanto aos aspectos da legalidade, pelo Poder Judiciário.
Aí residem, certamente, os principais diferenciais do atual sistema recuperacional: o foco na manutenção da função social da empresa, como sua finalidade central, e o envolvimento direto dos próprios credores no processo de elaboração do plano de recuperação.
Em 2020, com vistas ao enfrentamento do cenário de turbulência econômica que sucedeu à Pandemia da COVID-19, foram acopladas à legislação ainda mais ferramentas para facilitar o processo de recuperação, como preferência para concessão de empréstimos, parcelamentos fiscais diferenciados com a União e facilitação na venda de ativos.
Embora a economia brasileira esteja em ritmo de retomada, as projeções para o próximo ano indicam que ainda teremos um período de dificuldades para as empresas e o mercado em geral, sendo a recuperação judicial, portanto, tema ainda extremamente oportuno e pertinente.
Socorrer-se da Recuperação Judicial não deve ser encarado como alternativa estigmatizada, não se tratando, desde há muito, de um atestado de desídia nos negócios. Já se foram os tempos do Mercador de Veneza de Shakespeare, em que o comerciante foi apenado a pagar com seu próprio corpo a dívida contraída e não paga.
Para longe disso, a opção pelo lenitivo legal se trata de inteligente e eficiente decisão de gestão empresarial e, tomá-la ao tempo oportuno, é indispensável ao sucesso da empreitada, eis que, muitas vezes, é tênue o limiar que separa os negócios suscetíveis de reestruturação daqueles fadados à quebra.
Os CEOs e CFOs precisam estar atentos a situação econômico-financeira das empresas em crise, pois, o retardamento da decisão de requerer a recuperação judicial pode comprometer o projeto de restruturação e recuperação da companhia. A tomada de decisão no momento certo é fundamental.
Fernanda Bissoli Pinho Advogada especialista em direito empresarial e societário, com habilitação em administração judicial
Luciano Rodrigues Machado Advogado, Mestre em Direito
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